"O relojoeiro
As pessoas não vêm aos pares como as meias,
Vêm em pacotes fechados, individuais,
Sem manual de instruções.
Por vezes, quando abrimos a embalagem,
Vemos que estão partidas,
Mas não temos a quem as devolver
Ou pedir que as conserte.
Outras vezes vêm inteiras
Mas não funcionam
Ou, pelo menos,
Não percebemos para que servem.
Como um relógio,
Precisam de todas as peças.
O pêndulo, que as levará
De lá para cá
E de cá para lá
Ao compasso do movimento
Ou das circunstâncias,
E o coração, mecanismo complexo e frágil,
Que as fará falar ou calar-se,
Se for ou não a hora certa.
Em regra, com a expedição,
O coração perde peças
Que ficam no fundo da embalagem,
Soltas, inúteis e pesadas,
Que chocalham de encontro ao cartão.
Outras vezes,
Pelos encontrões da viagem,
As peças estão no sítio certo
Mas ficaram amolgadas ou partidas
E o coração parece inteiro
Mas não funciona.
Fosse eu como um relojoeiro cego,
Percorrer as montras das ruas,
Pegar nas pessoas
E consertá-las uma a uma
Sem olhar aos seus defeitos."
In A apologia do silêncio, de Ana Brilha
PUM
ResponderEliminardirecto ao coração
PUM
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