quarta-feira, 4 de novembro de 2009

não foi a primeira proposta, mas provavelmente a que a incomodou mais‏

provavelmente, por ele ser casado.

a acção decorre num estabelecimento dedicado à restauração. é de noite. ele chega, auto-confiante, atraente, convicto de que o bom aspecto pessoal e do monovolume recente que conduz abrem muitas possibilidades. faz o seu pedido, e contempla-a enquanto espera pelo troco.

há momentos em que os instinstos imperam. ou em que a racionalidade impera sobre as percepções.

ela apercebe-se. estranho. que quereria um homem casado de uma aparentemente vulgar funcionária de uma gigante empresa internacional de fast food, ainda para mais quando ela veste um casaco claramente vários tamanhos acima do seu, em que toda a sua sensualidade perece?

ele enceta conversa. ela não tem mais que fazer, e além disso rege-se pela simpatia, pelo que dialogam.
- fica aqui a noite toda?
- não, credo! saio às oito e meia.

imediatamente após o pronunciar das palavras surge o arrependimento. entre outros pensamentos, o de que vai sozinha para casa.

- ah, então ainda por encontramos por aí.
- talvez.

afinal de contas, o mundo é grande, mas bem pequeno por vezes.

- talvez possamos beber café.
- talvez não.
- talvez não...
- não. boa noite.

o que o discurso directo oclui: que os olhos dele não abandonaram a rapariga. que à casualidade do "talvez" seguiu-se a recusa firme e peremptória do "talvez não", que de dúvida, de incerteza, só tinha a palavra talvez. nessa altura ele olhou-a bem nos olhos. quis perceber se havia talvez. não havia, nem margem para dúvida nos olhos dela. vencido, olhou em frente. esta noite devia ter tirado a aliança, pensou ele. ou talvez não.

a rapariga ficou dispersa em cogitações.
o que leva um homem a arriscar tudo o que tem por garantido, aquilo a que promoteu e se comprometeu ficar unido e ser feliz para sempre?
o que tem de tão fascinante a mulher?
e quando é uma rapariga, mulher? que faz ela sem o fazer, que lança tão negras sombras sobre outra mulher?
será que a outra, a legítima, a que deveria ser a única, a especial, estava a trabalhar? ou afadigar-se-ia a arrumar a casa, a alma e o corpo à espera do homem que ama? teriam filhos e planos em comum?

uma aparentemente vulgar funcionária de uma gigante empresa internacional de fast food pode não ser uma rapariga desesperado por dinheiro, aventura ou sexo, combinados ou perspectivados como factores individuais. pode querer tudo isso de outras formas.

além disso, ela, que não usa qualquer espécie de aliança, sente-se comprometida. ama o "seu" homem e não o quer a protagonizar cenas destas.
não, obrigada.

1 comentário:

  1. Sim, realmente surpreendida. Agradavelmente surpeendida. Quantos anos para saber-te de cor? Acho q uma vida n chega. Beijinho, Babe

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